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Episódio III - Arame e Cervejas



Santos dividia-se entre a fome, a morcela, o meridiano, o ministro e dar uma tareia ao Abel...
"Ou explicas, ou vais fazer ofícios de castigo, Abel..."
"Sr. Santos, resumindo… Vamos propor, ao Sr. Ministro, que Portugal estique um cabo desde o Pólo Norte ao Pólo Sul, representando um meridiano. Um meridiano real"
"Esticar um cabo?"
"Sim, um cabo. Um meridiano, como eu lhe expliquei, que vai passar pelo Seixal. A que daremos o nome original de, 'O Meridiano do Seixal' "

Santos, era básico, mas sabia que tudo o que faz sombra, sai nas fotografias. Imaginava-se a sair nas revistas ao lado do Sr. Ministro, a ser promovido, a ter outro gabinete remodelado, outro ar condicionado e secretárias ainda mais giras. Num só dia já se sentia promovido duas vezes. Nada o parava.

"Abel, faz um projecto no computador e põe, até amanhã de manhã, na minha secretária. Agora tenho de ir comer uma morcela, para absorver a ideia."

Nestas vidas políticas, as ideias são como as pipocas na sala de cinema, ou fazem barulho e mexem com o povo, ou nem se dá por elas. O Santos não ia perder esta hipótese de brilhar. O Abel seria um mero peão. Assim que tivesse o projecto, recambiava o funcionário para o arquivo morto. Ele nada podia fazer….O Chefe já se imaginava a tratar o Ministro por "tu".


Santos, era um habitué de cervejarias, e como tal, tanto molhava a goela, como a secava a dizer baboseiras. Nessa tarde, secou a goela contando a ideia do Abel. Com ele a esvaziar copos, estava o Inácio, um velho amigo de longa data, com o qual Santos tinha apanhado grandes bezanas.
Diz-se que o Inácio, quando estava sóbrio não sabia o caminho para casa. Era um desempregado profissional com uma brilhante carreira na àrea da indrominação. Por nunca ter percebido a palavra, dizia sempre que trabalhava em minas, que sacava as coisas do fundo... Estava sempre à espera de um bom negócio, que pelo menos o hidratasse.

“Ó Santos, isso é fixe. Já tens orçamento para isso?" balbuciou o Inácio depois de ouvir a confidência do amigo.
"Que orçamento, pá?!...Isto é uma coisa em grande. É uma coisa de Estado" respondeu o Santos com ar de ser íntimo dos ministros.

"É de estado e de estalo, para se sacar umas massas...tázaver"

Santos era um rasteiro com ambições. Dinheiro, era como o gongo num round de boxe...era sempre bem vindo.

"Ó pá, tens que te orientar, e se puderes orientar os bacanos dos amigos, ainda melhor..." aliciou o Inácio.
"Tásmadizer que podemos sacar dinheiro com ideia do Abel?" sussurrou o Santos, olhando em redor como se estivesse a ser observado.

"Tás lerdo, pá! Achas que tava a secar a goela sem proveito?" disse o amigo fazendo sinal para soltarem mais uma bejecas. “Primeiro, a ideia não é do Abel. É do Ministério, por sinal do teu departamento. Em Segundo, quem quer saber do Abel? Achas que o Ministro vai ficar triste, por o Abel não ir lá jantar a casa?”

Santos sentia-se encorajado….O Inácio tinha razão.

"Provávelmente, fornecer cordel para as morcelas deve ser bom negócio, mas fornecer o arame para esse estendal “maravilha”, é bem mais fixe".
A imperial humedeceu aquela garganta mágica, de onde tinham acabado de saír verdades puras.

Santos absorveu o conceito do negócio...

"Mas como podemos nós sacar as massas? Isto vai ao Sr. Ministro. Ele vai mandar fazer estudos"
"Não sejas otário, Santos. Achas que o Ministro e o resto do pessoal não se vai orientar?"

Evidente que sim, pensou ele.

“Epá, tu pensa-me só, que nesse estendal Europeu devem estar mais metros de arame do que em todos os varais de Portugal. Se pudermos ganhar algum, sem esforço, era bem bom. Ou achas que estou a inventar?"
"E como? Vendes arame?"

Inácio já estava a ficar incomodado com a falta de talento para o negócio do Santos.
"Não, pá…...Mas o meu cunhado trabalha numa empresa de metalomecânica e safava o material. Ele anda enrolado com a filha do dono. Se ela quiser pergunta ao pai onde se vende arame por grosso, quando chegar a altura do orçamento, vais ver que tudo se compõe"

Já se sentia a stressar….
"Olha lá, inácio, e se o Ministro decidir comprar aos Espanhóis?"
"Não pode! Vais ter que dizer que a ideia é Nacional e por isso o material também tem de ser Tuga." Respondeu com uma convicção tão patriótica que não deixou margens para dúvidas.
“Descansa, pá. Enquanto houver cervejarias, há sempre hipótese do povo fazer reuniões de trabalho. Vai por mim…sócio”

Santos, sentiu-se na obrigação de pagar as despesas da tarde.
Afinal de contas...foi uma reunião de negócios.....

2 Comments:

Blogger Mushu said...

O Meridiano do Seixal gosto. LOL

Tb fui a primeira, tenho bónus? ;)

11:34 AM  
Blogger Mushu said...

11:34? e eu a pendar que eram 19:35...

11:35 AM  

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